Existem lugares no mundo em que eu nunca imaginei que colocaria os pés, um deles é Tijuana. A cidade mexicana é famosa por sua fronteira com os Estados Unidos, pelo muro que já existe há anos e por ser a porta de entrada para aqueles que buscam o tal “sonho americano”.
Talvez você tenha ouvido falar de Tijuana também por conta da violência, tráfico de drogas e prostituição. Comparada com outras cidades mexicanas, Tijuana não é uma cidade bonita, mas ao invés de ser vista como porta de entrada para os Estados Unidos, prefiro enxergar a cidade de outra forma. É lá que a América Latina começa e a porta de entrada para a Baja Califórnia e todos seus cenários incríveis.
Eu passei 4 dias em Tijuana, tenho amigos lá e queria conhecer um pouco do modo de vida deles, como é essa vida na fronteira. Sem compromisso com turismo.
Tijuana é uma cidade em que o “muro de Trump” já existe, já separa amigos e isola a cidade de San Diego, no lado americano. A fronteira é movimentada, para atravessar demanda aproximadamente 3 horas e é preciso um visto específico. Só o visto que nós brasileiros temos não serve, é preciso um “permiso”, que vale por 6 meses e facilita um pouco as coisas. Mas meu objetivo não era atravessar.
Alguns milhares de mexicanos atravessam todos os dias para trabalhar nos Estados Unidos, eles tem o permiso, mas não estão livres do calvário da longa e demorada travessia. Também não podem ir além de San Diego ou Los Angeles, essa é a condição.
A fronteira fica no centro de Tijuana, até o Aeroporto da cidade tem uma passarela que cruza o muro para quem pretende atravessar. O aeroporto é compartilhado, voar para Tijuana é mais barato se você está no México, do que voar para San Diego, ali do lado.
Mas se por um lado os mexicanos devidamente documentados enfrentam essa via crucis para cruzar a fronteira, os americanos entram como querem. Sem visto e sem dificuldades. Tijuana é o playground de San Diego, onde a bebida é barata, as drogas correm soltas, o jogo é permitido e as prostitutas ganham seus dólares.
O abismo criado por essa desigualdade de ir e vir me incomodou. Eu perguntei a um mexicano o que ele achava disso, a resposta foi breve: “sempre foi assim”. Eu fiquei processando e refletindo sobre esse conformismo, algo que eu não consigo diluir bem, quem dirá, digerir. O dinheiro que vem do outro lado da fronteira é importante, talvez isso explique para eles essa disparidade, mas não justifica para mim.
Tijuana é o playground de San Diego, onde a bebida é barata, as drogas correm soltas, o jogo é permitido e as prostitutas ganham seus dólares.
Tijuana não é uma cidade interessante, mas basta pegar a estrada rumo ao sul para descobrir belezas pouco exploradas, principalmente por nós, brasileiros. A Via Escenica que começa na cidade e segue para Ensenada e de lá até o extremo sul da península da Baja Califórnia é um exemplo. É onde o deserto árido se encontra com o mar, a estrada contorna as falésias salpicadas de praias desertas de um azul inigualável.
Não dá para separar Tijuana e o muro, como um corte que rasga a cidade – e o país – e separa dois mundos. Universos que se unem uma vez por ano, quando a Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos abre um dos portões no centro de Tijuana por alguns minutos, para que poucas famílias selecionadas se encontrem.
O jornal The San Diego Union-Tribune acompanhou um desses momentos e eu reproduzo aqui a história de Perla Martinez. Ela, mexicana que vive nos Estados Unidos, aguardou por horas na grade para ter 3 minutos de contato com seus pais que vive em Tijuana. Foi a primeira vez que Maria Granadoz e Salvador Martinez Hernandez viram a neta de 3 anos.
“Já faz 16 anos desde que estivemos juntos, esta é a primeira vez que meus pais viram Samantha”
O muro que separa Perla de sua família existe de 1989, quando os Estados Unidos ergueram a assombrosa separação com metal vindo da Guerra do Golfo. São mais de 200 quilômetros de extensão que correm pelo deserto e avançam pelo mar. Ao todo, os Estados Unidos possuem mais de 1000 quilômetros de muros na fronteira, mas eles querem mais.
A ideia de ampliar o muro foi uma das promessas de campanha do presidente Donald Trump, que vomitava na mídia que os mexicanos ainda pagariam pelos custos de construção. A coisa deu sinais de que estava esfriando, até que no final de setembro, começaram a ser montados protótipos do muro a leste de Tijuana.
Na Cidade do México eu visitei o Museu Memória e Tolerância, um lugar que trata de crimes de ódio que assombraram a humanidade. Ali está bem reproduzido o extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial e vários outros conflitos. No fim, a questão da tolerância e esse universo do muro de Tijuana é retratado.
Cercas de arame que separam pessoas, vídeos que são um lembrete constante do mundo em que vivemos e dos muros que nos dividem. O sonho americano que se torna um pesadelo e um lembrete “también de este lado hay sueños“, acredito que a tradução não seja necessária.
Se por um lado a obra de ampliação do novo muro parece que vai realmente acontecer, esse ano o portão de Tijuana não foi aberto, parece que o último fio de esperança realmente acabou.
Tijuana, México
Links:
Matéria completa no The San Diego Union-Tribune (em inglês)
Gráfico da Aljazeera que mostra onde o muro já existe (em inglês)
Museu Memória e Tolerância (em espanhol)
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Angustiante! Ótimo texto e relato! Obrigada por compartilhar.
É um soco no estômago da gente.